À revelia do que muitos pensam, a arte abstrata não é somente uma mistura aleatória,
fortuita de cores e matérias sobre o suporte. Ao contrário, quando Wassily Kandinsky a
instituiu em 1910, ofereceu ao mundo, através dela, instrumentais lógicos de
construção. Criou um "manual" de elementos selecionados, com os quais o artista faz
arte abstrata. São alguns deles: o ponto, a linha, a cor, a textura, o equilíbrio, a
harmonia, a proporção. Há que se refletir sobre o que e como distribuir estes elementos
no plano e no espaço. A medida de sua composição é a medida de seu valor e de sua
comunicação. Criadores e fruidores de arte abstrata, devem re-alfabetizarem-se
visualmente para darem conta de criá-la e de codificá-la. Nasce com ela, A NOVA
SINTAXE DA ARTE NO SÉCULO XX!
Palavras-chave
Arte abstrata; comunicação; cognição; sentimento; audiovisual.
Se a arte, nela mesma, é uma interface da comunicação, a arte abstrata é uma interface
especial da comunicação, porque obriga criadores e fruidores a realfabetizarem-se
visualmente e a familiarizarem-se com uma inusitada articulação ótica.
Educa, também peculiarmente, para o aguçamento dos sentidos, para um mental mais
elaborado, para uma maneira de ver a própria arte, para uma forma de, mais
amplamente, visua lizar e pensar o mundo, de uma vez que na arte abstrata os
reconhecimentos da realidade são inexistentes e inessenciais. É um meio de expressão e
comunicação que se pode considerar exótico, sobretudo quando de seu surgimento em
1910 por Wassily Kandinsky.
Ela é geradora de uma emissão plural de signos. Os recursos icônicos da arte abstrata
tendem a ser “subversivos” por conta da extinção da realidade fenomênica e
reconhecível. O cerne de sua natureza é procurar caminhos de inconformidade e
ruptura.
O que comunica, exata e corretamente, na arte abstrata, é a ordem matemática, a qual
Kandinsky se refere. O receptor necessita, portanto, desenvolver repertório específico
para entender e interpretar esta ordem lógica. Assim, a comunicação acontecerá dentro
de cunho científico e não somente emocional como sempre se estabelece com a arte e,
principalmente, com a arte abstrata. Não sabendo codificá-la corretamente, não sabendo
comunicar-se adequadamente com ela, o fruidor vocifera banalidades sentimentais,
relações emocionais e invencionalidades empíricas sem conta.
Nada é fortuito. Nada é aleatório. Nada é arbitrário no abstracionismo, embora pareça.
As cores, com sua musicalidade própria, tem um lugar certo para serem colocadas no
suporte, de acordo com as intenções do artista. Alteração de lugar, representa alteração
de força; alteração de força, representa alteração de energia; alteração de energia,
representa alteração de tensão; e assim sucessivamente, para com o volume, a atração, o
equilíbrio. É aí que se situam as diferenciações de valor, de beleza e de fealdade da
pintura abstrata (neste caso: a expressão pictural no suporte bidimensional), ou seja, não
estamos tratando da escultura abstrata, apesar de, as relações serem as idênticas para ela.
Portanto, dizer que os valores são sempre iguais em toda e qualquer abstração, não é
verdade e não faz nenhum sentido. Um vermelho entrecortado de amarelo, por exemplo,
situado à direita baixa do quadro, não gera as mesmas sensações visuais, sentimentais,emocionais, tão pouco estão sujeitos aos mesmos princípios de raciocínio, quando em
seu lugar, estiver um azul com sobreposições de marrom, por exemplo: são outras as
forças, são outras as energias, são outras as tensões, são outros os equilíbrios e,
consequentemente, é outra a empatia, o maior ou o menor encantamento aos olhos do
observador.
Kandinsky aduz:
“... século XX – aparecimento de uma nova síntese [...], início do emprego dos
elementos. Avaliação cada vez mais consciente das forças intrínsecas da imagem,
tensões. A materialização da imagem é considerada portadora de uma força interior
e digna de um novo raciocínio. A força só é importante e significativa vista deste
ângulo” (KANDINSKY: 1987, 37).
Muitas vezes, a comunicação no abstracionismo degenera-se ou nem chega a acontecer,
por incompetência do próprio receptor que emite manifestações assim levianas sobre
ela: “não entendo nada desta coisa”, “a arte morreu”, “como chamar este monte de cores
e matérias juntas de arte?”, “até meu filho de um ano faz”, “é um borrão só”, e outras
tantas verborragias tolas. Isto prova uma carência de instrumentais intelectivos de
análise, para a correta leitura da abstração.
Ora, a falta de repertório conduz a uma comunicação truncada, incompetente, apenas
empírica, e conseqüentemente a uma educação para o olhar, para a cognição e para o
pensar a arte, desconectados de sentido e significado. Nestes casos, ao invés da arte
abstrata comunicar propondo novos padrões estéticos, deseduca, e o sujeito fica
“cobrando” da obra, elementos reconhecíveis: pessoas, paisagens, céus estrelados,
mares, montanhas, florestas, terras, ambientes internos, naturezas mortas, etc... Ele quer
tudo identificável, exigido por seu imaginário comum, sente-se mais seguro diante do
que reconhece, porque pode, inclusive, dominar. Teme o que não está ao alcance de sua
consciência. Ele quer “ter certezas”, como as imagens eternizadas através da fotografia:
quanta perfeição! Quanta clareza! Que imitação absolutamente exata da realidade! Daí a
tranqüilidade...
Mas a arte que destitui o real conhecido substituindo-o pelo virtual desconhecido, perde
em valor? Jamais! São outros valores a se impor, outras interpretações, outros
julgamentos, outras circunstâncias de criação, outras poéticas plásticas, outras diretrizes
estéticas.
A arte abstrata goza de uma comunicação peculiar porque sua nova codificação não é
factível com os parâmetros cognitivos, lingüísticos e racionais do senso comum. Criase,
com a abstração, uma inusitada ideologia, uma outra razão por estetizar, uma filosofia nas artes que tem nos acompanhado até hoje (a arte abstrata, tem seu marco,
aproximadamente, em 1910, com Wassily Kandinsky) e acabou se transformando na
mais difundida das artes atuais.
A abstração advém de um padrão mental inerente ao homem de todos os tempos. Nas
paredes das cavernas de Laxcaux (França) e Altamira (Espanha), tem-se uma abstração
primitiva, simbólica, esquemática, plasmada pelos trogloditas, certamente, com o
objetivo de comunicar algo. Ela sempre existiu com o homem, que tem uma capacidade
abstrativa nata, apenas, no caso do artista, passa a consubstanciar, grafar, concretizar
esta tendência em forma plástica ou performática no suporte bi ou tridimensional. A
abstração é uma atividade mental de seleção e de síntese. As tribos primitivas e
antiquíssimas, por exemplo, em muitos dos seus desenhos, não faziam nenhuma
referência à realidade exterior. Eram abstrações. Em função destas afirmações, eis as
posições de Cocteau, em um estudo dedicado a Picasso:
“... la vida de un cuadro es independiente de lo que imita. Podemos admitir um
ordenamiento de líneas vivas, lo que motiva que estas líneas dejen de vener el primer
papel principal, para pasar a ser un pretexto. Desde este estadio a concebir la
desaparición del pretexto, solo media un paso. La finalidad pasa a ser motivo; he aqui
que en 1912 asistimos al golpe de audacia más incisivo de la historia de la pintura [...].
Qué queda?Un cuadro, y esse cuadro no es nada más que un cuadro” (DONDIS: 1990,
129).
Esta modalidade artística, tem como ambição criar formas puras e soltas, construídas
com os elementos mesmos da pintura, por exemplo, que, arranjados livres ou
controladamente em estados sucessivos de tensão, constróem a coluna vertebral do
abstracionismo que é a composição. Com isto, Kandinsky considerado o mentor da
pintura abstrata, cria parâmetros para “fazer calar” todo o figurativismo até então
consagrado. O que o artista prova em sua teoria é que os elementos (ponto, linha, plano,
contorno, direção, tom, cor, textura, escala, dimensão, proporção, massa, volume,
composição, arranjo, movimento, ritmo, equilíbrio, tensão, nivelação, aguçamento,
harmonia, contraste, atração, agrupamento) são submetidos a relações e a uma
organização inteligente na obra. Elementos que em si mesmos seriam só elementos
isolados, mas que relacionados criam zonas de tensão (força virtual) “amarradas” em
cima de todo um sentido de direção (força em ato). Esta síntese da energia na obra que o
pintor propõe para a nova ciência, implica no caminho das ressonâncias interiores da
imagem que representam, além de outras razões, a passagem do estático ao dinâmico na
pictórica abstrata. Adotamos, para definir a expressão arte abstrata, o que nos parece responder mais
prontamente ao universo de especificidades, estranhezas e imprevisibilidades que
caracteriza esta manifestação tão discutida e questionada: abstração em arte, constitui-se
de uma forma/imagem sustentada em um suporte, ocupando um lugar no espaço, em si
mesma contendo tempo, ritmo e movimento. Não se pretende reconhecer, tão pouco ser
reconhecida; identificar, tão pouco ser identificada; apreender a vida, tão pouco ser
apreendida pelo senso objetivo, cognitivo, lingüístico comum. Portanto, arte
completamente liberta do referencial exterior. O referente são os próprios elementos da
obra, por isto ser a auto-referência e a presentidade, seus principais paradigmas. Os
traços, as linhas, os pontos e as cores, não nos remetem a nada conhecido, portanto, não
têm passado, nem futuro, somente presente: o aqui e agora da arte abstrata. Não há
mímesis, porque não há nada a imitar, nada a re-cuperar, nada a re-presentar, a não ser a
obra mesma, por isto afirmar-se que o abstracionismo dispensou a re-presentação do
figurativismo, para ficar com a presentação da matéria.
Em termos comunicacionais, a arte abstrata convida o fruidor a participar de maneira
mais ativa e conivente com o criador da obra. O artista dá margem a múltiplas
interpretações, tendo no receptor um co-partícipe da criação, um reelaborador, um
reexecutor e um re-alimentador de ilusões. Ilusões que estão no receptor, não na obra e
quase nunca no criador. Referimo-nos aqui, às questões subjetivas do abstracionismo e
não científicas, como vimos tentando provar: ela simbiotiza cognição e sentimento!
Ciência e empirismo! Apolinismo e dionisismo!
O observador não tem na pintura abstrata o reconhecimento mimético do exterior e
muitas vezes, pouco ou nenhum preparo para uma análise mais científica da obra,
portanto, ele se permite emocionalizar o incompreensível, interpretando-a
inadvertidamente. Vai pelo caminho mais fácil!
Parafraseando Giovanni Cutolo: a arte abstrata, contestando os valores clássicos de
acabado, definido, perfeito, absoluto e inequívoco, propõe uma obra indefinida e
plurívoca, aberta, que se vem configurando como um feixe de possibilidades móveis e
intercambiáveis mais adaptadas às condições nas quais o homem moderno desenvolve
suas ações.
Sabemos que no processo comunicacional, a arte possui um papel primordial. Ela
encharca os olhos de seu “cliente” com uma multiplicidade de imagens sujeitas a
decodificações. No abstracionismo, o receptor não está decodificando e lendo “imagens
conhecidas”, mas imagens de outra natureza como os pontos, as linhas, os contornos!...
*Beto lobo...
Que a arte abstrata me aponte uma resposta,mesmo que ela mesma não saiba! E que ninguém atente complicar, pois é preciso simplicidade para fazer florescer. Porque metade de mim é platéia e a outra metade é canção. Que minha loucura seja perdoada porque a metade de mim é amor e a outra metade também! *Beto lobo
Postagem em destaque
Que a arte abstrata me aponte uma resposta,mesmo que ela mesma não saiba! E que ninguém atente complicar, pois é preciso simplicidade para fazer florescer. Porque metade de mim é platéia e a outra metade é canção. Que minha loucura seja perdoada porque a metade de mim é amor e a outra metade também! *Beto lobo
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário